quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Que me mate no estácio

Holliday é um dia de paz

Hoje chegou minha mudança! Nada como reencontrar aquele mesmo conjunto de caixas que vi se formar diante dos meus olhos no início da semana, enquanto observava com nostalgia o pessoal da transportadora dar continuidade ao suado trabalho que havia começado dias atras.

Depois deste feliz reencontro, com direito a abertura de algumas dessas caixas, à remontagem de alguns móveis e à descoberta que a rede elétrica de Brasília funciona a 220 volts enquanto a maioria dos meus eletrodomésticos funciona a 110, fui almoçar num restaurante da vizinhança onde já estou ficando conhecido.

Lá, enquanto saboreava uma deliciosa sobremesa composta por um misto de doce de abóbora com musse de limão, comecei a atentar para a música que estava tocando no rádio e que incluo aqui neste post e que se chama "Estácio, Holly Estácio".

A princípio, pensei que se tratava de uma música de Noel Rosa. Depois, ao descobrir que ela é do Luiz Melodia, surpreendi-me com tamanho engano! Afinal de contas, Noel Rosa era da Vila Isabel! Como poderia então compor uma música que enobrece justamente uma escola de samba rival: a Estácio?! ...Se bem que a hipótese não seria tão absurda. Sim, com Noel Rosa talvez. Mas, o fato é que Martinália (filha do Martinho da Vila) que a interpreta junto com Luiz Melodia nasceu justamente onde? Na Vila Isabel, de Noel Rosa! A-ham!

Mas, independente das questões referentes aos erros de impressão sobre seu compositor, o fato é que esta música diz alguma coisa que se relaciona a este momento de conclusão de uma grande mudança. Um momento que coincide com o fim do carnaval; com a ligação afetiva a um lugar; com o encontro de uma referência que "acalma os sentidos dos erros que eu faço"; e, finalmente, com o mistério de coisas que não entendemos por completo seu sentido, mas captamos seu significado.


O lanterneiro

A luz no fim do tunel

Depois de uma temporada em Campinas encaixotando e despachando minha mudança definitivamente para Brasília, eis-me de volta ao planalto central "onde as coisas acontecem". Senão, vejamos.

Este aí da foto ao lado chama-se Wilson Lima. Conhecendo-o na juventude, ele seria o cara que cobraria sua passagem no ônibus, que abasteceria seu carro ou pintaria sua casa. Mas, hoje, ele é o atual governador do pequeno estado que abriga a capital da República.

Sim, ele também foi lanterneiro. Mas, o que é um lanterneiro? A princípio, pensei que fosse o antigo "lanterninha" do cinema. Porém, ao que tudo indica lanterneiro corresponde à uma especialização da indústria metalúrgica. Caramba, outro metalúrgico a frente do governo?!... Cara, vejo um padrão aí... (rs)

Mas, Wilson Lima é um cara eclético em termos de profissão. Além de ter passado por todas essas profissões, ele também foi seminarista e estudou música na UnB. Música, hein?... hum... tá lembrado que o diretor da Sony que substituiu o lendário Akio Morita era cantor de ópera?...

Talvez se os jovens soubessem "dessas voltas que o mundo dá" não ficassem tão ansiosos com a escolha do vestibular que vão prestar. Afinal de contas, o cara começa como cantor de ópera e vira diretor de uma multinacional; vai estudar música e depois vira governador; e é por isso que eu não largo minha viola! (rs)

Wilson Lima tem, enfim, a chance da vida dele. Mas, que dificilmente irá vingar por dois motivos. Em primeiro lugar porque talvez não esteja capacitado para o cargo, visto que se tornou governador porque o governador eleito foi preso, o vice renunciou e o antigo presidente da câmara dos deputados foi afastado. E em segundo lugar porque, ao longo de sua trajetória política, acabou tomando como companheiros de caminhada pessoas envolvidas com atos de corrupção.

Que coisa, não? Quando se tem a oportunidade de fazer diferença, as condições que te levaram até ela te deixa de mãos atadas... Enquanto isso, "na sala de justiça", discute-se a possibilidade de uma eventual intervenção federal diante da falência das instituições políticas do distrito da capital da república brasileira!

Mas, se ele não é o lanterninha desta história, há - parece - uma luz no fim do tunel: a esperança de que este episódio que "pela primeira vez na história deste país" levou à prisão de um governador sirva de aviso para os corruptos de plantão de que os tempos são outros.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Quarta-feira de cinzas

Quanto riso, ó quanta alegria

Mudar-se para Brasília significa também trazer pra cidade "as tralhas" que acumulei durante a vida. E nessas tralhas constam alguns discos de vinil. Vinil, lembra? Aquele que empenava quando você o esquecia no banco de traz do carro...

E um dos discos de vinil que tenho em casa é de um compositor chamado Lamartine Babo.

Apesar do nome, digamos, original, Lamartine é autor de belíssimas e famosas composições que praticamente fazem parte do cancioneiro de músicas tradicionais e populares no Brasil. Por exemplo, a música brasileira de Natal mais famosa:

"Anoiteceu, o sino gemeu e a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar"


Lembrou? O começo é bonitinho e inocente. Mas, depois o que se parece nitidamente com uma cantinga infantil se transforma numa sutil e afiada crítica social da desigualdade que assola nosso país e se faz presente na vida das pessoas desde a infância:

"Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade, eu pensei que fosse uma brincadeira de papel
Já faz tempo que pedi, mas o meu Papai Noel não veio
Com certeza já morreu ou então felicidade é brinquedo que não tem"


Bem, mas o que isso tem a ver com o carnaval? Tem que Lamartine também foi o autor da maioria das marchinhas de carnaval que ainda hoje são cantadas como ícones da "idade de ouro" do carnaval quando "tudo era mais inocente" e alegre.

Curioso é notar como mesmo na descrição que Lamartine faz desta festa, nos tempos de sua inocência, ele consegue identificar aquele misto de sentimentos que integra nossa vida e que será a constante nas composições da então futura bossa nova:

"Quanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão."

E assim, na quarta-feira de cinzas - diferentemente dos dias de sol radiante e céu azul do feriado de carnaval - Brasília amanheceu com um céu totalmente cinza. Céu que eu haveria de enfrentar no final da tarde, quando fui até Campinas encaixotar minhas tralhas que deveriam seguir de mudança para esta cidade que - por única que seja no cenário nacional - traz consigo esses elementos da cultura popular evidenciando a mesma argamassa que compõe seus traços modernos.

Caçadores da aura perdida

Os caçadores da aura perdida

Walter Benjamin dizia que "a obra de arte na era da sua reprotutibilidade técnica" tem sua áurea atrofiada.

Mas o que é aura? Responde o autor: "é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja”.

Trocando em miúdos: é a capacidade que determinadas coisas têm - em particular as obras de arte - de transportar aquele que a "observa" para uma esfera transcendente.

Nos "tempos modernos", segundo Benjamin, isto se perde. Talvez porque a coisa esteja alí em forma de reprodução diante do espectador.

No entanto, o atrofiamento não quer dizer a falência completa de um membro ou órgão. Assim, de vez em quando é possível ser transportado para esta outra esfera transcendente - ao ouvir, por acaso, a reprodução de uma velha música dos "Demônios da garoa" tocada no rádio do vizinho num feriado de carnaval - cuja letra diz:

"Eu sou o samba
A voz do morro sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo que tenho valor
Eu sou o rei do terreiro
Eu sou o samba
Sou natural daqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem levo a alegria

Para milhões de corações brasileiros
"

Sempre gostei desta última parte. Assim como na experiência da aura, citada por Walter Benjamin, ela se apresenta como algo distante (a alegria de milhões de corações brasileiros) por mais perto que esteja.

Interlúdio carnavalesco

O mundo às avessas

Segundo Mikhail Bakhtin, que estudou as origens do carnaval na idade média, esta festividade popular representa "o mundo às avessas em que se diluem as fronteiras entre ricos e pobres, etc."

Ao menos, esta era a idéia originária. De lá pra cá muita coisa rolou. E as festas populares acabaram se transformando em espetáculos nos quais a população em geral participa mais como espectator - mesmo quando estão "festejando".

Como novo candango resolvi ficar em Brasília para saber como era a coisa aqui. Mas, paradoxalmente, acabei não indo aos festejos que - a exemplo do Rio de Janeiro - acontecem à sombra das linhas do desenho de Niemayer.

Enfim, fico devendo esta impressão no registro das minhas primeiras impressões da cidade. A única coisa que posso dizer é que não fui o único a ficar por aqui. Apesar da sensação de que todos desertaram da cidade neste feriado, tive a oportunidade de almoçar com amigos todos os dias - o que significa que já tenho pelo menos quatro amigos na cidade! :)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Nas entrelinhas do moderno

Modernidade conservadora

Um dia eu quis fazer arquitetura. Um amigo então me disse um dos lugares legais para fazer esta graduação seria Brasília. Não propriamente pela qualidade do curso - que, imagino, deve ser bom -, mas, por causa de como a arquitetura está presente na cidade.

Claro que ele me disse isso só depois de fazer aquela piadinha segundo a qual "arquiteto é aquele cara que não foi macho o suficiente para fazer engenharia, nem gay o suficiente para fazer decoração"... :)

Mas, de um jeito ou de outro, o fato é que experimentos e designers arquitetônicos estão realmente entranhados nesta cidade que, diga-se de passagem, teve sua cesariana feita por um arquiteto. Tudo, então, parece derivar destes ideiais primeiros que se traduzem em normas urbanísticas e influências para as novas construções.

Porém, em meio às diretivas arquitetônicas há dissonânicas que fariam qualquer Lucio Costa revirar no caixão. Um exemplo bem claro disso são as barraquinhas de lanche, improvisadas e cobertas de lona azul (no melhor estilo acampamento sem-terra) que existem no setor de Autarquias. Uma delas, inclusive, logo abaixo de um edifício desenhado por Oscar Niemayer.

Aliás, se Lucio Costa revira no túmulo o que será que Niemayer sente ao ver isto? Se é que ele vê, claro. Talvez, do auge dos seus cem anos, ele compreenda que isto faz parte da própria característica social de um país que convive cotidianamente com o moderno e com o arcaico; com o desejo de grandeza simbolizado pelos belos edifícios ao lado de necessidades básicas cuja satisfação não é prevista pelos projetos de modernização do país.

E assim vamos passando os dias, trabalhando por um futuro melhor em ambientes idealizados. Mas, fugindo frequentemente para nos alimentar num universo arcaico e dissonante, porém, imprescindível à vida já que o moderno não satisfaz algumas necessidades básicas.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Há um vilarejo alí

Sonhos semeando um mundo real

Há um lugar em Brasília que toda vez que visito me faz lembrar a música "Vilarejo", da Marisa Monte. Talvez porque como diz a letra da canção, este bairro pareça mesmo um vilarejo - uma pequena e isolada vila - "onde areja um vento bom" vindo do Lago Paranoá.

Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão

Há um trecho que a canção fala "Por cima das casas, cal". Confesso que ainda não entendi bem o significado do cal - que talvez seja símbolo de virtudes como a dignidade, a honestidade e a simplicidade das pessoas que moram naqueles lares que tem

"Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real"

Mas, o que mais me toca é a presença contínua de crianças brincando tranquilas e sozinhas pelas ruas. Sim, os pais devem estar por perto e os vizinhos - assim como as lombadas na rua - ajudam a guardá-las dos males do mundo moderno. Mas, a imagem de crianças brincando nas ruas é algo tão raro e até certo ponto distoante das cenas das capitais brasileiras que parece ser coisa da imaginação ou de um vilarejo idealizado.

Claro que não se pode dizer que o "paraíso se mudou para cá". Longe disso. Por mais que tenha estes aspectos idílicos, este ainda é o mundo real com todos os seus pesares. Mas, estas e outras poucas e discretas flores enfeitando "os caminhos, os vestidos, os destinos e esta canção" me sugerem que este talvez seja, afinal, um bom lugar para ter "sonhos semeando um mundo real".

Sim, eu sei. Quando eu vou lá o que eu encontro não é o lugar em si, mas a imagem do que ele representa pra mim: de um ideal que se vê desperto e não refletido na realidade imediata.

Em teu seio formoso

Em teu seio formoso?

Quando um amigo teu, que mora em Brasília, for te buscar - no aeroporto ou na rodoviária - no primeiro domingo do mês, não deixe este desgraçado ir pra cama dormir! Obrigue-o a ir até a cerimônia da troca da bandeira na praça dos três poderes! Afinal de contas, dormir é para os fracos! :)

Lá, você poderá ver a materialização de coisas que aprendeu nas aulas de "Educação Moral e Cívica" e verá que, apesar disso denunciar sua idade, nem tudo foi em vão. Você relembrará, por exemplo, os versos do Hino da Bandeira:

"Em teu seio formoso retratas
este céu de puríssimo azul
a verdura sem par destas matas
e o esplendor do cruzeiro do sul"

Cá entre nós: juro que não é um ato falho! Apesar deste hino ter entrado numa parte remota do meu cérebro, eu achei que ele dizia "em teu peito formoso retrata" e não "em teu seio formoso retrata". Cara, "em teu seio"! Como que isto passou pela censura na época da ditadura militar?!... :)

Mas, enfim, seios a parte, o cerimonial é caprichado. Tem mais pompa do que a troca dos guardas no palácio de Buckingham! Um grande contingente de soldados - "fardas bonitas, condecorações". Todos com seus uniformes impecáveis, a banda, o sistema de segurança, os motoqueiros da guarda presidencial, a enorme bandeira que desce e que sobe (...) ao som dos tiros de canhão! É um show! Uma ótima maneira de começar um domingo!

Segura na mão de Deus e vai!

João de Santo Cristo em Taguatinga

Sexta-feira, ao perder a saída de uma das avenidas expressas de Brasília quase que fui parar numa cidade de satélite - por engano e porque, como já disse um dia, "retorno" é coisa do passado. :)

Aproveitando então o movimento inercial, neste sábado resolvi visitar uma cidade satélite porque haviam me dito que lá os móveis são mais baratos e a cidade tem um comércio grande voltado para este setor. Fui então dar uma conferida já que estas questões operacionais estão configurando meu presente.

O curioso é que esta fama do comércio produtor de móveis da cidade já estava presente, inclusive, da música Faroeste Caboclo do saudoso "Legião Urbana". Veja-se, por exemplo, este trecho da primeira ocupação do João de Santo Cristo quando chega à capital:

Meu Deus, mas que cidade linda,
No Ano-Novo eu começo a trabalhar
"Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro,
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga"

Fui eu então para a cidade do "João de Santo Cristo" e apesar do lugar ficar longe, o caminho é simples: pega-se uma linha reta para se chegar até o Eixo Monumental; depois uma reta até a rodoviária; uma grande reta para chegar até Taguatinga e outra reta para se chegar até o setor comercial dos móveis!

Na hora de voltar, numa pracinha da cidade, havia um evangélico cantando sozinho com pouco acompanhamento musical aquele velho hino que diz:

Segura na mão de Deus,
Segura na mão de Deus,
Pois ela, ela te sustentará
Não temas, segue adiante
e não olhes para trás,
Segura na mão de Deus e vai.

Este hino cantado ao cair da tarde, com um sistema de som, acompanhamento, arranjo e afinação precária me tocou. Não porque a mensagem tenha falado ao meu coração, mas por causa da coragem daquele homem que foi para praça expressar sua fé em condição tal precária de recursos e talvez de talento propriamente dito. "Meu Deus, como nossa existência é precária..." - pensei comigo. Enfim, a mensagem acabou me atingindo pelo avesso.

No entanto, a reflexão que me acompanhou até segunda-feira foi o quanto que esta música fala sobre a geografia que liga as cidades satélites ao plano piloto: retas sem fim em que se cai muitas vezes por um descuído forçando-nos a ir, ir e ir, na espera de um dia encontrar um retorno. Enfim, parafraseando o velho hino cristão: para se chegar à uma cidade satélite de Brasília, você pega uma reta qualquer "segura na mão de Deus e vai!!!!" porque uma hora você chega :)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Retroceder nunca, retorno jamais

Eu odeio superquadra!

Brasília é uma cidade razoavelmente fácil de se localizar. Recordo-me bem quando, logo na segunda semana na cidade, consegui chegar sozinho de carro a um lugar onde nunca havia estado antes. E isto, veja bem, sem consultar mapa ou ficar pedindo informação na rua.

Sabia que tinha que ir até a 314 Norte. Então, partindo do Eixo Monumental peguei a famosa avenida W3 (sim, a que corresponde ao número 300 no sentido "west"...) e andei quatorze quadras até chegar à 314. Fácil!

Como diria um amigo meu: localizar-se na cidade parece brincadeira de batalha naval! :)

Porém, há uma pedra no meio do caminho. Na verdade, um verdadeiro labirinto chamado superquadra - idealizada pelo urbanista Lucio Costa, por inspiração de Le Courbousier, com o objetivo de fazer os novatos se perderem!! Arrrr!

Você está lá feliz andando pelas vias expressas L2, w2 ou coisa do tipo e aí vê uma plaquinha indicando uma quadra próxima ao seu destino. Tipo: seu destino é 715 e você vê uma placa indicando entrada para a 315. "Tranquilo", pensa o ingênuo e novato motorista, "basta eu entrar aqui na 315 e depois passar para a 515 e em seguida à 715".

Ah, doce ilusão. Eis que de repente me vejo numa superquadra no velho estilo "pague para entrar reze para sair". Não adianta tentar encontrar uma saída; o jeito é voltar pelo mesmo lugar por onde se entrou e tentar um novo caminho. E foi tentando um novo caminho que hoje cheguei até próximo de Sobradinho. Sim, porque "retorno", nas concepções modernistas da época da invenção de Brasília, deveria ser coisa do passado....

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Interlúdio shakespeariano

Ouço uma batida na entrada sul

Um interlúdio no processo de adaptação em Brasília. Depois de duas semanas na cidade do traço de Niemayer e Lucio Costa, fui passar uma semana na antiga capital da república.

No Rio de Janeiro, ao contrário de Brasília, a cidade parece não entrar de férias em janeiro. Ao menos, não a programação de teatro já que consegui assistir a duas excelentes peças: uma sobre a vida do famoso escritor russo Tchekov e o clássico shakeaspeariano Macbeth.

As duas peças tem em comum referências ao próprio teatro enquanto arte fundamental para a vida. Macbeth, porém, traz um dilema que todo político de Brasília (aliás, todo político em geral) deve enfrentar em algum momento da carreira: a renúncia da lealdade e da integridade moral como preço a ser pago no processo de ascenção ao poder.

Daniel Dantas estava muito bem no papel de Macbeth. Particularmente na segunda parte da peça e trazia no seu visual uma extensa barba que lembrava o Lula sindicalista.

Seria este pequeno detalhe uma sugestão crítica ao homem que a população brasileira atualmente considera como a pessoa mais confiável no país, cujo governo tem mais de 80% de aprovação e que recentemente recebeu o prêmio de estadista global do Fórum Econômico mundial, mas que no início de seu mandato teve que lidar com as denúncias do mensalão que nunca ficou comprovado por razões que todos conhecemos?

Nas barbas do personagem etaria então a sugestão de conteporaneidade deste clássico cujas eleições presidenciais, a cada quatro anos, seria sua cartáse?

Lula resistiria enfim a confrontação do mito de Macbeth? E nós, meros mortais vivendo a política do cotidiano, resistíriamos a este julgamento moral? E talvez seja este o aspecto que faz da peça de Shakespeare um clássico sempre atual: ela não fala apenas do político, mas de todos nós.